domingo, 29 de abril de 2012

JOGANDO CONVERSA FORA (causos do Pantanal numa roda de tereré)




I - PARA TOMAR TERERÉ



Uma guampa artesanal,
água bem fria, erva-mate,
um tubinho de metal
e um amistoso debate.



II - ACREDITE SE QUISER

Sem querer, quando descia
o Miranda de chalana
escutei um desafio
entre dois peões bacanas
que tomavam tereré
sem tirar uma só pestana.
Vou contar só um tiquinho
do que ouvi em uma semana.
Leia e veja se é real
ou se é história insana:




— Enfrentei uma onça parda
perto do paratudal.
Eu nem queria mais briga
com o coitado do animal!
Rolamos a noite inteira
pelo vasto capinzal
que a parda ficou pintada
de tanto que passou mal.
Dei tantos tapas que a dita
foi-se dizendo... “miaaaaau!”.

— Comigo foi diferente:
à noite, montando guarda,
vi uma grande onça-pintada
vindo em minha retaguarda.
Num salto, me deu um tapa
que entortou minha espingarda.
Mas, como não sou do tipo
que logo se acovarda,
mordi tanto o rabo dela,
que a bichana ficou parda!

— Lá no capão onde moro
a terra é tão adubada
que — acredite — a melancia
é, toda, vitaminada.
Uva boa eu dou pros porcos
(vez em quando é rejeitada).
Laranja-azeda, a da terra,
de tão doce é enjoada.
O milho engasga as galinhas
e o coqueiro dá cocada.

— Já comigo é diferente.
Moro num ermo lugar
tão seco que nem vapor
o chão consegue sugar!
Nessa terra sem palmeiras
não canta nem sabiá.
Minha terra é tão fraquinha
que “em si plantando” não dá
nem um pé de tiririca
para a história contar.

— Saiba que o Morro do Azeite
tem esse nome porque
na Guerra do Paraguai,
para não esmorecer,
uma tropa da Bahia
trouxe tonéis de dendê?!
Fritou tanto acarajé
que fez o morro crescer.
De tanto azeite no morro,
ninguém sobe se chover...

— Essa história não é nada!
Urucum, a morraria
vermelha de Corumbá,
tem esse nome porque,
logo após a pescaria,
“seus” soldados do Azeite
(que, apressados, esqueceram
o corante na Bahia)
iam ao morro “colorau”
temperar as iguarias.

             *  *  *

— Acredite se quiser,
meu predileto compadre!,
É mais difícil mentir
que mostrar a realidade.
E para não estragar
nossa tão rara amizade
vamos parar por aqui
bem antes que seja tarde.
Nunca vi oitenta versos
sem um pingo de verdade!

— Isso mesmo, companheiro!
Chega desta brincadeira.
E antes que este tereré
dê a volta derradeira
e fique tão fraco quanto
minha terra sem palmeiras,
vou encerrar a conversa
com uma frase verdadeira:
nunca vi noventa versos
sobre noventa besteiras!


2 comentários:

  1. Que delícia, Paulo.

    Revivi meus dias pantaneiros, minhas conversas e entrevistas com os peões, geralmente à tardinha, quando voltavam das vaquejadas.Mas, sem nenhuma sombra de dúvida, na fluidez desses versos cadenciados, ricos em sutilezas, as gostosas mentiras quase que esbarram em alguma verdade.
    Parabéns...
    Albana

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  2. Oi Albana, minha querida literata e professora, só agora vi esse seu comentário. Gratíssimo pela consideração e apreço ao humor. Abraço!

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