sábado, 17 de novembro de 2012

MEU PÉ DE LARANJA LIMA... DO MANGUE

Manguezal de Ilhéus ao pôr-do-sol. Foto: Paulo Robson de Souza



Esta moda aconteceu
entre a Ilha das Caieiras
e o importante manguezal
que margeia  Goiabeiras,
na cidade de Vitória
onde hábeis paneleiras
pintam suas obras de barro
com corante de primeira.
Não sei se vi ou senti 
esta história verdadeira.

Um canoeiro se enfiou
entre as raízes magrelas
pra pegar casca de mangue
para deixar as panelas
recém-saídas do fogo
negras, bronzeadas, belas.
Repetia assim o gesto
das primeiras caravelas
derrubando o pau-brasil
em troca de bagatelas.

Sem sequer pedir licença,
com um porrete macetava
um sofrido  pé de mangue −
que cuidados inspirava.
A vermelha e fina casca
parecia que sangrava.
Machucava a coitadinha
toda vez que precisava
não se importando se a árvore
logo se recuperava.

Em silêncio o mangue ouvia
uns sons distantes, bonitos –
atabaques e casacas,
chocalhos, palmas e apitos –
congadas que davam graças
ao mouro São Benedito.
Junto ao som das porretadas
e o som doído, aflito
do seu sangue vegetal –
quem ouviria o seu grito?

Feito a famosa história
“Meu Pé de Laranja Lima”
o mangue falou gemendo:
— Assim você me dizima!
Vê se aprende a respeitar
a rara matéria-prima.
Se me der algum cuidado
e um prazo que não me oprima
sobrarão galões de tinta
pra pintar uma obra-prima!

— Sobrará mais energia
para eu fabricar comida
para camarões e peixes
que no alto-mar residam,
berbigão e  o caranguejo
que deixam a gente nutrida.
— Todo o manguezal é creche
que sempre dará guarida
para toda a filhotada
da rica teia da vida.

— E se o bom fruto do mar
vira a mais fina comida
dê graças à energia
dessa seiva colorida
e às raízes que me escoram
e que lhe dão acolhida.
— É por isso que lhe digo:
se romper uns fios, na lida,
deixe a teia, meu caboclo,
sou a Árvore da Vida!

Ao ouvir esse lamento
o caboclo compreendeu
que quem destrói seu sustento
cospe em prato que comeu,
mata o futuro e o presente
vira peça de museu.
E que o mangue é a obra-prima
que a natureza nos deu.
E tudo o que foi contado...

...foi o que aconteceu.



Do livro
Síntese de Poesia (Paulo Robson de Souza, Editora UFMS, 2006)



4 comentários:

  1. Adorei a letra, principalmente englobando nossa, regiao maravilhosa....
    Muito obrigado por difundir em seu portal tanta coisa boa
    Obrigado

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  2. Tania Mara Simões do Carmo19 de novembro de 2012 às 07:33

    Querido Paulinho,

    O meu primeiro comentário foi: "Muito legal!" A poesia está linda e muito correta. Como adoro vígulas (vc lembra?) senti falta de algumas.

    Vou encaminhar esta mensagem para Rosa, André Alves e Flávia, que considero que gostariam de opinar também.

    Beijo carinhoso e saudoso

    Tania

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  3. Oi Tânia, minha eterna professora! Que alegria!
    Grato pelo carinho e acolhimento ao meu poema que, como você sabe, tem um dedinho seu, por ter me apresentado o manguezal com todos os seus encantos e mistérios.
    Abração

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