O que era carne, voz, afagos, sorrisos, olhar e pensamento
se foi. O mestre não está mais entre nós. Comeu a última jabuticaba da bacia.
A matéria fisiológica, pulsante, morna e abraçável se foi,
mas fica a obra. A lembrança. As inúmeras declarações de amor à vida. Ficam os ensinamentos. Porque mestres de verdade não morrem;
transmutam-se, afirmou algum dia algum sábio. Rubem não morreu. Transmutou-se.
As lembranças que tenho de Rubem Alves são muitas. Se
confundem com minha docência, tão impregnado estou dos seus ensinamentos, que
me foram trazidos primeiramente pelo amigo e colega de profissão Hélio Godoy em
1987, na forma de urubus e sabiás. Logo depois veio o também biólogo Erich Fisher
falar de frescobol e tênis, desjogos, a não competição, tudo isso em uma
reunião de departamento em que saíam faíscas.
Suas belas crônicas nutriram tantas e tantas aulas e
discussões que desenvolvi com meus alunos de Prática de Ensino de Biologia dos
anos 90, me inspiraram tantas reflexões e resoluções de vida e poemas como Os Reis do Pedaço – que para ele dediquei e fui retribuído com uma carinhosa
mensagem por email –, que posso dizer que Rubem vive dentro de mim.
Crônicas como a que aqui faço referência/deferência*, em que
Rubem figura a vida em uma bacia de jabuticaba, fruta tão brasileira e cheia de
significados para as crianças do seu tempo. É como se Rubem dissesse: quando
nascemos ganhamos única bacia de jabuticabas, essas túrgidas e doces frutinhas que
vão ser rapidamente consumidas pelo tempo, aproveitemos ou não o conteúdo da
bacia. E quando já estamos para lá da metade da comilança dessas dadivosas
delícias deitadas na bacia do tempo – como eu estou nesse 2014 –, começamos a
fazer a conta de quantas jabuticabas faltam, quantas comemos ou desperdiçamos.
Momento mais filosófico não há: mais que saber de onde viemos, o que somos ou
para onde vamos, saber o que fizemos durante o caminho, o que fizemos das
jabuticabas que recebemos ao nascer.
Só em maio de 2011, quase meia bacia de jabuticabas depois
de ler sua crônica, conheci o maior filósofo brasileiro pessoalmente, durante sua
palestra no Festival de Inverno de Bonito. Falou-nos do processo de
envelhecimento, da necessidade de aceitação da palavra velho, das condições
associadas à senescência e outros assuntos. Melhor idade? Não sou da melhor
idade, terceira idade, essas bobagens... Sou um velho, disse Rubem mais ou
menos assim. Um velho que não se cansa de ensinar, rir e criar, pensei. Nessa
manhã, as jabuticabeiras da cidade estavam floridas.
Paulo Robson de Souza
(20.7.14 )
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* O Tempo e as
Jabuticabas
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