sábado, 20 de junho de 2015

SOBRE A INSPIRAÇÃO



Girando os cabelos cuidadosamente penteados, a colega olhou para mim e disse: o que lhe inspira? Como faz para escrever? Pensava – continuou – que a inspiração seria o único combustível da literatura.

Respondi-lhe que minha inspiração advém do ato de inspirar mesmo, primo do verbo cafungar – principalmente se a matéria a entrar nas narinas for perfume de mulher, numa alusão ao seu hábito diário de se banhar de cheiros. Ela não riu da bobagem que disse, talvez esperando uma resposta séria ou não se lembrando quão é perfumosa.

Brincadeiras à parte, sua pergunta me fez pensar: descontados os 70% de transpiração de que disse Drummond, de que são feitos os meus escritos?  Se os 30% que restam são, de fato, compostos de inspiração, quais seriam seus ingredientes?

São palavras soltas, rimas, ideias, imagens e tantas outras coisas, quase todas surgidas dos 70% correspondentes ao suor, ao trabalho de lavrar a palavra. É o suor que me abre caminhos à inspiração! Sim, foram diversas as experiências que tive em que nada pensava, nada queria, mas bastou-me esquentar os neurônios em busca de uma palavra, uma rima, uma ideia qualquer, que a inspiração surgiu. Ela vem discreta, quase subliminar e, quando a percebo, já está cristalizada na trama de celulose ou neste ecrã ― quase nunca se revela na mente, como é próprio dos repentistas.

Outra matéria constante na minha fração inspiracional vem de outros mundos, creio. Matéria estelar. Mas essa é outra história, contada em um velho cordel que virou música em parceria com o compositor baiano Eduardo Boaventura na década de 80.


Paulo Robson de Souza

16.12.2014

Nenhum comentário:

Postar um comentário